Acidente radiológico de Goiânia: irresponsabilidade e curiosidade
A fonte de Césio que deu origem ao maior acidente radiológico do mundo foi manipulada pela curiosidade de dois sucateiros que encontraram um aparelho de radioterapia, de um prédio abandonado da Santa Casa de Misericórdia. A reconstituição da história, desde o rompimento da fonte até a contaminação de pessoas e do meio ambiente, começa no dia 13 de setembro de 1987.
Era de manhã, um domingo, quando os dois sucateiros, Roberto e Wagner, removeram a máquina em um carrinho de mão até a casa de um deles. Eles ignoravam o que era aquela peça de 100 quilos, estavam apenas interessados no que podiam ganhar com ela, vendendo as partes de metal e chumbo em ferro-velhos da cidade.
Os dois foram até a casa de Roberto, onde, sob uma mangueira, quebraram a máquina, a golpes de marreta, até encontrar uma peça de chumbo, na verdade, um cabeçote. Ali, se encontrava um cilindro metálico que encapsulava o Césio (Cs-137). Roberto e Wagner violaram o cilindro, expondo o Césio e entrando em contato com a fonte radioativa. Eram 19 gramas de Césio prensado que acabou se fragmentando com a pressão feita pelos dois.
As pedras de Césio, então, bem como o material obtido com a destruição de toda a peça, foram oferecidas a Devair, dono de um ferro-velho, conhecido de ambos. Foi o local onde a cápsula rompida permaneceu por mais tempo. Sua mulher, Maria Gabriela, faleceu dias depois da interdição dos focos de contaminação.
A própria Maria Gabriela foi a primeira a relacionar os sintomas apresentados pelas pessoas da vizinhança, tais como naúseas, vômito, diarréia, dor de cabeça e febre, à presença daquele material desconhecido. Mas isso só ocorreu no dia 28 de setembro, quando então ela mesma se encarregou de levar o que restava da cápsula à Divisão de Vigilância Sanitária (DVS), próxima do local do acidente.
No intervalo entre os dias 13 e 28, as pedras de Césio passaram pelas mãos de outras pessoas. Devair foi o primeiro a perceber, por exemplo, a luminosidade que a cápsula emitia, perceptível principalmente à noite. O brilho atraiu sua curiosidade, fazendo com que a levasse para dentro de sua casa. O material foi distribuído entre parentes e amigos.
Dentre essas pessoas, estava seu irmão, Ivo que fora visitá-lo porque sabia que Devair estava doente. Na avaliação da família, ele estava com intoxicação alimentar. Na verdade, descobriu-se mais tarde que ele apresentava sintomas descritos pelos médicos como Síndrome Aguda da Radiação.
Ivo levou um pouco do pó de Césio para casa e mostrou as pedrinhas brilhantes para a esposa, a filha e os amigos. Sua filha, Leide das Neves, de seis anos de idade, não só manipulou as pedrinhas, como também ingeriu pequena quantidade delas. É que a menina brincou com as pedras antes do jantar e, ao alimentar-se, comeu césio misturado à comida. Leide foi a primeira a morrer. Ela foi considerada a maior fonte radioativa do mundo, já que foi quem mais absorveu a radiação do Césio de todos os que foram irradiados.
O vizinho de Devair, Edson Fabiano, também levou para casa algumas pedrinhas e compartilhou a beleza de seu brilho com seu irmão, Ernesto Fabiano, que fez o mesmo. A casa dele foi considerada um dos principais focos de contaminação, porque ele jogou o material radioativo no vaso sanitário.
O metal proveniente da máquina de radioterapia foi vendido para outro ferro-velho, cujo dono se chamava Joaquim. Ele devolveu a cápsula de césio por achar que não tinha valor comercial. Maria Gabriela, já convencida que o motivo dos problemas de saúde de Devair e dela mesma, era aquela cápsula, convenceu o marido de levá-la à DVS.
Os médicos que a receberam solicitaram a presença de físicas por desconfiarem de que seria material radioativo. O físico nuclear Valter Mendes, de Goiânia, constatou, no dia 29, que havia forte índices de radiação na Rua 57, do setor Aeroporto, bem como nas suas imediações. Ele acionou então a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), por considerar gravíssimo o acidente.
José Júlio Rosenthal, chefe do então Departamento de Instalações Nucleares, dirigiu-se à Goiânia no mesmo dia. Ao encontrar o quadro preocupante, acionou o médico Carlos Brandão da Cnen e também o médico Alexandre Rodrigues de Oliveira, da Nuclebrás (hoje, Indústrias Nucleares do Brasil). Eles chegaram à Goiânia no dia 30, quando a secretaria de Saúde do estado já fazia a triagem dos acidentados num estádio de futebol.
As que tinham entrado em contato com a fonte diretamente estavam num hospital do estado, que tinha uma enfermaria separada para atender as vítimas. De acordo com Alexandre de Oliveira, no estádio foram triadas cerca de 30 pessoas que apresentavam vômito, náusea, dor de cabeça, emagrecimento, dores no corpo e queda de cabelo. Outras dez foram encaminhadas ao hospital.
A primeira medida foi separar toda a roupa dessas pessoas, lavá-las com água e sabão para descontaminação externa. Depois, os que entraram em contato com a cápsula tomaram um quelante - substância que elimina os efeitos da radiação - chamado azul da prússia. Com ele, as partículas de césio saem do organismo pelas fezes e pela urina. Todo esse material foi reunido, encapsulado em contêineres de metal para posterior descarte em um depósito.
Quatro morreram pouco depois de um mês do acidente, Maria Gabriela, a menina Leide e dois funcionários do ferro-velho de Devair. Ele morreu anos depois de câncer no fígado, doença que, segundo os médicos da Superintendência Leide das Neves (Suleide) - criada para atendimento exclusivo e permanente dos acidentados - não se desenvolveu em função da exposição do paciente à fonte radioativa. (Lana Cristina)
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
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